sábado, 30 de agosto de 2008

azul-tristeza

será que é o cinza no céu
ou o azul-tristeza no meu peito?


será que é o ser-só desse sábado,
o silêncio desse quarto parado, calado,
a falta de um som que embale,
de um tom que anime,
de um bom motivo pra sair da cama?

Devaneio Breve

Quando entrei, todos pararam de conversar por um instante. Todo o burburinho se desfez com o vento que entrava comigo através da porta frontal do salão. Por um momento, o único som audível foi o do próprio vento a sondar o espaço, a chacoalhar as toalhas das mesas e as cortinas de seda.

Enfim, o instante da minha chegada se findava, e aos poucos aumentava o som do farfalhar das línguas dentro das bocas carnais e fúteis que passeavam perspicazes por onde quer que eu fosse. Após o primeiro impacto, nocauteador, eu já me via livre novamente para ser eu mesma, exercer minha atividade de mais-uma-na-multidão-de-corpos-vistosos. Apesar de toda a multidão que me abraçava, por todos os lados, sentia-me completamente solitária e alheia, por mais que me esforçasse para me igualar aos demais.

Algum sujeito desconhecido me ofereceu uma taça de vinho, que não recusei para ficar mais parecida com a massa que me circundava. Após a sexta dose eu já não alinhava mais meus pés, minhas idéias, minhas cordas vocais. A sensação de solidão se aguçara em mim.

Não sei o que sucedeu. A tontura me fez tropeçar e cair sobre algo macio, e ali adormeci por um longo tempo, imensurável como a eternidade.



Acordei com dores múltiplas ao longo do corpo cansado e estirado sobre a base já não tão macia sobre a qual me lançara antes de cair no esquecimento do sono. Tentava me movimentar, mas meus membros pareciam não responder aos comandos da minha mente, ainda zonza.

Com muito custo pus-me em pé e então pude observar o que se passava. Um arrepio de assombro percorreu todos meus nervos, numa corrente dos pés à cabeça.

Estava solta num quarto de espelhos diversos, que me distorciam para cima ou para os lados, como num sonho estranho. Aproximei-me de um deles e vi meu corpo enrugado, envelhecido. Minhas mãos eram tão idosas quanto às da minha avó, que ainda guardava na memória.

A sensação que então se apoderava de meu raciocínio, então retomado, era a de que eu havia dormido por muitos anos e acordara velha para sofrer o resto de meus dias pensando na vida que sempre sonhei e nunca batalhei o suficiente para alcançar. Nos amores que não conquistei e nos filhos que não gerei. E assim permaneceria, por toda a eternidade, presa numa bolha de remorso e descontentamento perenes.

Inerte

Aqui estou eu de novo, no mesmo ponto de onde parti há quatro anos. Na varanda do meu quarto de Campinas, sob um céu negro e sem estrelas, sentindo o vento fresco soprar por meus cabelos enquanto uma nuvem de insetos picantes zombe dentro de casa.

A mesma casa vizinha de fundo toca os acordes nostálgicos de músicas que há tempos não ouvia. Uma algazarra doce evapora daquelas paredes aquecidas pelo sol de primavera.

E minha mãe ali embaixo, no quintal, regando as plantas sem perceber minha presença na varanda superior... parece não sentir o peso dos anos e a mesmice desses tempos... o ar dessa cidade parece inerte. Nada muda por aqui.

Enquanto isso, passo meu tempo vivendo em São Paulo, adiantando dois anos em um e enruguecendo mais a cada amanhecer sem sol.

“Admirável Mundo Novo!”.

Chuva Ácida

Segurei algumas fortes convulsões lacrimais enquanto andava do escritório para a minha casa. Mais convulsões silenciadas e abafadas no elevador, que tanto custou a subir ao 13° andar.

Pé adentro: soltei o lacrimejante desespero que se apoderava de meu ser. Muito chorei. O céu trovejava lá fora, mas era de mim, de meu âmago, que transbordavam as gotas dessa chuva ácida, que corroia minha face lisa. Só o que me restou fazer foi chorar e mais chorar. De desespero, de angústia, de tristeza, de dor. Senti-me como o último dos seres, completamente sozinho e oco. Vazio. Sem sentido. Sem motivo pra viver, pra prosseguir.

Lágrimas, água e sal, partes do meu âmago que meus olhos expeliram tão rápida e vorazmente como se fosse veneno em meu sangue, como se fosse algo maligno e odioso. Sentia meus olhos cada vez mais quentes. A casa estava deixada à penumbra, à pouca ausência de luz permitida nessa cidade grande e luminosa. Remoia-me, rolando pelo sofá, enquanto perdia o fôlego a soluçar palavras de desespero e indignação. Não me conformando com a realidade tão cruel que se mostrara a mim, nua e crua.
Depois de pensar em muitas situações passadas e de relembrar os sonhos que me trouxeram até aqui, e depois de realmente afirmar minha posição medíocre e nula perante o mundo, pude suspender o choro.

Suspiro.

Era como se todo aquele veneno repugnante tivesse sido completamente retirado de meu ser. Agora estava calma, exausta após tanto remoer-me. Estava leve feito uma pluma, aliviada de todo o mal. E então me pus de pé e me deixei levar, vagarosamente, lentamente como jamais antes, até o banheiro. Lavei-me do resto de mal que me grudava à pele. Olhei o estrago em meu rosto, desfigurado pela vermelhidão e tristeza, pelo inchaço e desânimo. Mais uma vez pude reconhecer minha total idiotice e estupidez, minha completa falta de perspectivas.
E o pensamento que não me deixa, nunca: “a vida não devia ser bem mais que isso?”.

Um pouco de fome me fez chegar à cozinha e esquentar metade do que sobrara da sopa de legumes que eu mesma preparara uns dois dias antes. É triste abrir uma tapuer de plástico e observar a comida gelada ali dentro, tão sem gosto, tão sem cor, tão sonsa. Esquentei no microondas cancerígeno e me pus no sofá da ante-sala. Mas hoje não liguei a televisão, nem o rádio.

“As coisas vão mudar bastante daqui pra frente...”.