quinta-feira, 11 de setembro de 2008

Língua Morta

O gato comeu minha língua

Levou embora minhas palavras

Meu paladar, minhas gírias

Minha personalidade, minhas manias


Procurei por todo canto

O gato com cara de santo

Encontrei minhas gotas de sangue caídas

Ouvi trechos das minhas canções favoritas


Mas o gato mal, eu não achei por nada

Tão leve, não deixou nenhuma pegada

Nem sobre a areia fofa da praia

Nem sobre a poeira espessa da calha


Desde então, exponho-me em versos tristes

Neste diário que criei pra contar minhas crises

Pra ver se é possível transmitir assim

O que minha língua contava de mim

Rasuras


Toda essa calmaria que persegue os meus ligeiros passos

Do momento em que acordo os sonhos ao que os refaço

É como um último suspiro da infância que há em mim

Ainda tão viva e inquieta, mas já com hora marcada para o fim


Então fico eu assim, silente, nostálgica antecipada que sou

Como que a ansiar por todas as graças guardadas por quem me criou

Só esperando que essa longa e plácida monotonia me enfare

Debruçada sobre a janela de meus sonhos, longe da realidade


O horizonte se faz longínquo perante meus olhos úmidos

Apesar da ânsia que guardo, ainda me fogem gemidos súbitos

De medo do porvir que ainda não conheço, mas que desconfio

Toda essa amplitude que a liberdade traz me causa arrepio


Escolhas feitas, caminhos planejados, outros tantos, apagados

Meu futuro é um papel em branco que ainda mantenho guardado

Pra que não amareleça com tanto excesso da calma que me assola

Pra que o nanquim cotidiano não o estrague com as rasuras do agora